Entenda o Brasil na obra de Machado de Assis
No centenário de morte do primeiro dos nossos imortais, o Bom Dia faz uma homenagem a Machado de Assis e à cidade que foi inspiração de sua obra.
Fonte: http://g1.globo.com/bomdiabrasil
A mulher dos olhos de ressaca ou o morto que escreve as memórias da vida que passou – em comum eles trazem a origem. São personagens que nasceram da genialidade de um escritor de muita imaginação: Machado de Assis. Há exatos cem anos, o mais elegante dos nossos autores morria no Rio de Janeiro.
Machado de Assis deixou uma visão irônica, pessimista e perspicaz da vida carioca no fim do Império e começo da República. O Rio era uma cidade pobre, mas enfeitada. Provinciana, mas pretensiosa.
Uma das cidades mais bonitas do mundo também é uma das mais violentas do mundo. Cidade de brancos, pretos, mulatos, pobres, ricos e miseráveis. Uma cidade de todos, que desperta paixão de vive nela. Paixão capaz de inspirar a obra de um dos gênios da literatura mundial: Joaquim Maria Machado de Assis.
Vista de cima, a cidade de Machado de Assis continua tão linda quanto era na época dele, no século 19. Mas naqueles tempos as ruas fediam. Havia assaltos à mão armada com navalha, os escravos maltratados por seus donos e mais de 84% da população eram analfabetos. O Rio de Janeiro que aparece nos romances, nos contos, nas crônicas e na poesia de Machado de Assis está longe de ser um Rio idealizado.
“Era um Rio de Janeiro modesto, pobre, sujo, com belezas naturais extraordinárias, mas era uma cidade muito acanhada”, conta a escritora Nélida Piñon.
Um Rio de Janeiro de ruas por onde ele andava de bonde e passeava sob a luz de lampiões, elementos que inspiravam Machado de Assis a criar personagens que até hoje são a cara do Brasil. “Quem não se lembra de Capitu?”, indaga uma senhora.
“Capitu, de uma certa forma, somos todos nós que sobrevivemos”, afirma a atriz Fernanda Montenegro.
Nós, brasileiros, concentrados em uma única cidade amada. Tudo nesta cidade ajudou a fazer de Machado um dos maiores escritores da língua portuguesa.
“Dificilmente a obra de Machado de Assis seria a mesma se não tivesse o Rio de Janeiro como cenário”, comenta a pesquisadora Martha de Senna.
“Ele, então, faz dessa cidade um feudo da criação”, comenta a escritora Nélida Piñon.
O Rio era a capital do Império brasileiro quando ele nasceu em 1839, no Morro do Livramento. Machado era filho de uma lavadeira e de um operário e neto de escravos. Joaquim Maria Machado de Assis só freqüentou a escola primária, mas os pais de Machado de Assis sabiam ler, o que era raro na época tanto em famílias de pretos quanto de brancos. Como um menino gago, epilético, pobre e mulato conseguiu superar todos esses limites e se tornar um dos maiores escritores de nossa língua?
“Pela capacidade de adquirir conhecimento que ele cresce”, afirma o presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Cícero Sandroni.
Machado aprendeu a ser tipógrafo e começou a escrever. Aos 15 anos, publicou o primeiro poema. Começou a escrever artigos para jornais. Aprendeu sozinho francês. Depois, inglês. Ele ainda contestava os poderosos da época.
“Se você pensar, Machado, com 20 anos, escreveu sobre economia, atacando o ministro da Fazenda da época, Torres Homem. Machado defendeu o crédito, como um direito fundamental do homem”, acrescenta o presidente da ABL, Cícero Sandroni.
Quando morreu, aos 69 anos, deixou obras primas como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba”, “Memorial de Aires”, “Esaú e Jacó” e “Dom Casmurro”. Uma obra criada há mais de um século e, entretanto, moderna até hoje. Por quê?
“Você entende o país lendo Machado de Assis”, define a escritora Nélida Piñon.
O livro dele que provoca mais interpretações é “Dom Casmurro”. Nele está a personagem feminina mais enigmática da literatura brasileira: Capitu, a “morena de olhos de ressaca” que teria traído o marido, Bentinho, com o melhor amigo dele, Escobar.
A atriz Fernanda Montenegro foi Capitu em uma leitura na Academia Brasileira de Letras (ABL). Ela acha que o marido sente ciúme, sim, mas não de Capitu.
“O Bentinho tem paixão pelo Escobar, numa adesão ao masculino de uma forma muito entusiasmada”, acredita a atriz.
Bentinho e Capitu viviam na Rua Mata-Cavalos, hoje Rua do Riachuelo. A Rua do Ouvidor, por onde circulavam as elegantes daquela época, hoje não tem espaço para qualquer um circular. Uma curiosidade: o bairro do Cosme Velho, onde Machado de Assis viveu o fim da vida, aparece pouquíssimo em sua obra. A casa dele foi demolida.
Viúvo e solitário, ele encontrava alívio e alegria na Academia Brasileira de Letras, do qual foi um fundadores. E na palavra escrita, na qual deixou registrada a sua paixão pelo cidade que lhe deu régua, compasso e glória.
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